sexta-feira, 31 de julho de 2015

menos é mais


Recentemente fui convidado para dar uma aula de movimento e Contato Improvisação. Já tinha dado uma aula com um outro professor, mas sozinho foi a primeira vez. Foi muito massa, adorei. Eu planejei a aula, mas foi tudo bem diferente e achei isso incrível. Eu não conhecia muito bem o grupo e acho que a escuta de ambas as partes foi essencial pra todo mundo crescer.
É lindo ver como um exercício, uma proposta pode ser revolucionária na trajetória dos corpos. Fiquei XO-KI-TO! Essa experiência me deu mais vontade de continuar na minha trajetória. Ao mesmo tempo foi estranho me ouvir dizer clichês que sempre escutei: menos é mais, você é responsável por você…etc. Por outro lado, acho que ainda preciso escutar muito essas frases de sabedoria até entrar mesmo, nas vísceras e nos ossos.
Irmãs e irmãos, quão linda é essa prática que nos dispomos a aprender? Com ela aprendi a me perceber, a me escutar, e assim me relacionar melhor com o mundo. Outro dia, estava refletindo sobre minha vida professional e vi o quanto de energia invisto em Contato Improvisação. A princípio me assustou, mas dois segundos depois fiquei bem ok. Afinal, é o que eu mais gosto de fazer na vida, o que me dá mais prazer. Não sei bem pra onde essas danças vão me levar, mas até agora eu estou adorando.
Assim, sendo sincero, acho que o mais difícil na pratica do CI – pra mim – é estar com pessoas. CI não é uma atividade que dá pra fazer do home-office, né minha gente. O estigma da transexualidade foi me fazendo assim, sem paciência com o planeta, com as pessoas. Morro de preguiça da vida social. É difícil ter que se explicar sempre, ser o assunto toda vez que você chega. Dá preguiça. Você chega na rodinha e o papo muda. É claro que é importante falar sobre gênero, mas assim, às vezes eu só quero almoçar. Quando eu vejo já estou palestrando. Ai gente, minha hora é cara, olha no google. Digita lá: TRANSGENERO e eduque-se, a ignorância é sua queridinha, melhore.  Uma vez uma bicha veio falar comigo por algum chat da vida, como axey ela gata dei trela pro boy, um minuto depois estava eu dando uma aulinha sobre o que é ser trans, transviado etc. Gente, é muito chato.
Mas ok é isso. Talvez mude daqui duas gerações, já aceitei que é o que tem pra hoje e tento lidar da melhor forma possível. O CI é fundamental pra isso, ele me ajuda a ACEITAR. Aceitar a gravidade, o meu peso, minhas genitais, meu corpo, o peso dos orgãos, minhas decisões até aqui, minha trajetória e assim vamos.  Tem um monte de coisa estúpida sendo dita por aí, sendo dita há muito tempo. Essas narrativas limitadoras nos cegam a ponto de nos fazer acreditar que quem nasce com piruzinho gosta de azul, e pior, gosta de azul “naturalmente”. Exorcizar essa burrice dos nossos corpos é uma tarefa cotidiana. A minha condição, e a dos meus iguais, é vista como transtorno, AINDA. É barra encontrar trabalho, é barra a relação com a família, é barra ir ao banheiro público, enfim, é barra o convívio social.
Você consegue se colocar no meu lugar? É chato “ser demais” pra pessoas que amamos, sabe? Tipo, uma condição humana que deve ser explicada. É uma tristeza sem fim perceber que pessoas não querem sentar ao meu lado no ônibus, ou que uma pessoa que você ama não consegue te tratar com o pronome que você se sente bem, como se fosse “demais” pra ela, é “difícil”, e claro, “temos que entender”.
Meus problemas foram ficando mais cabeludos na medida que eu aceito minha transição. Aí quando eu vejo a condição de outros irmãos e irmãs nem sei o que fazer, me vem um aperto por dentro. As notícias podem ser bem tristes…estamos sendo expulsos de casa, exorcizados pela igreja creyzy fundamentalista, espancados e assim vai. Me sinto privilegiado e faço o que posso pra que nossos corpos dancem com mais dignidade.
Por essas e outras, acordo e levanto. Quando uma criança chata me pergunta “você é menino ou menina”, respiro; quando alguém me pergunta  “  o que é trans “, respiro de novo,  “como é seu nome verdadeiro?”, inspira, expira e vamos lá.
Vamos lá, vamos dançar, menos é mais, e nunca se esqueça, Ariel, você é responsável por você.


Nenhum comentário:

Postar um comentário